Um blog pessoal para compartilhar ideias com amigos e familiares. Todos os posts de autoria exclusiva do autor, e eventuais citações de terceiros com nomes dos respectivos autores e/ou textos destes em destaque. PauloCCSaraceni

ESTRANHO FRUTO

"As árvores do Sul carregam um estranho fruto.
Sangue nas folhas e sangue na raiz.
Corpo negro balançando na brisa do sul.
Estranho fruto suspenso nos álamos"
(Abel Meeropol)

Escuto a trágica poesia de Strange Fruit, que denuncia o cruel linchamento racial nos anos 30 do século passado, imortalizada na doce voz de Billie Holiday, que se despediu da vida aos 44 anos, e me pergunto como é possível canto tão belo e suavidade melódica em meio a tanta tristeza.
Nascido para ser mais que um canto de protesto ou lamento, para encarnar a própria melancolia, é assim também que sopram os metais, que pontuam os graves dos baixos, que percutem criativos os teclados dos pianos e, especialmente, solam extremados os violões e guitarras no blues.
A voz não apenas canta as frases, mas ponteia espiritualmente toda a melodia.
Ninguém escolhe interpretar blues, é escolhido.
E parece que aos grandes intérpretes não bastou cantar o drama.

PERDI MEU PASSAPORTE - UM ATO FALHO NA CATIVANTE VENEZA

Ao lado do atracadouro de gôndolas, os pintores mambembes com telas da invariável paisagem daPiazza di San Marco— com a Basílica ao fundo ou em perspectiva da entrada do grande canal — formam uma pequena concentração de um comércio sedutor.
Folheei as telas sem molduras, do mostruário sobre cavaletes, e achei o inevitável passeio de gôndola nas águas verdes di Canalasso, que foi devidamente enrolada em grossa cartolina, para suportar a pressão da bagagem, na viagem de volta.
Paguei, com os euros cuidadosamente retirados da minha carteira, guardada em uma pequena mochila, a que chamo de porta conveniências — para máquina fotográfica, filmadora, mapas, etc. — indispensáveis nestes nossos circuitos turísticos longe dos hotéis, e que também acomodou a pintura.
Cruzamos, Vanda e eu, a babel da vasta San Marco, entre turistas japoneses, talvez chineses, alemães, espanhóis e tantos de idiomas irreconhecíveis, esgueirando-nos dos enquadramentos das fotos dos álbuns de família dos deslumbrados viajantes.Íamos à procura de um gelato, que saboreamos na pequena ruela entre romanescas passarelas, que ligam a cidade sobre os infindáveis canais.
Hora de pagar, abri a pequena mochila e não estava ali minha carteira, com meus cartões, alguns euros e, principalmente, os nossos passaportes, que havia sido retirada para pagar e também para guardar a tela, e que foi esquecida sobre a mesa improvisada do vecchio pittore.
Refiz o caminho quase correndo, atormentado pela ideia da odisseia burocrática que me aguardava, já me vendo às portas do majestoso prédio da nossa embaixada, na estesiante Piazza Navona, em Roma, uma paisagem sempre desejável, mas não sob esta circunstância.
Sem passaportes e cartões, uma estada maior em Veneza seria a primeira consequência.O autor das telas, que hoje ocupam a modesta galeria da nossa sala, aguardava, talvez tanto aflito como eu e já com a carteira à mão, ansioso pela devolução.
Ficamos amigos, Signore Rossi e eu, e já que o artista se ofendeu quando propus uma recompensa, que a nossa cultura quase impõe, comprei então a segunda tela, após insistir que eu não dissimulava retribuição, reafirmando que seus traços e cores efetivamente me impressionaram.
Dali passamos por Paris, depois Londres, de encantos reconhecidos e sedutores, da história à cultura, passando pela gastronomia, mas incomparáveis com a beleza e a magia da abducente Veneza, onde sucumbi à parapraxia freudiana.

Venezia, arrivederciMa tornerò presto.

HERÓI CONDUTOR

Descarrilou.
O bondinho de Santa Teresa.
Tombou, matou seis pessoas.
E feriu mais de cinco dezenas.
O motorneiro, qual capitão de barco na iminência do naufrágio, tentou salvá-las, ficou no comando até o fim, e também morreu.
Tentaram culpá-lo, em vão. A legitimidade dos verdadeiros heróis populares não se rouba.
O bondinho não saiu dos trilhos antes porque o herói motorneiro contornava com a própria vida os riscos.
Tudo para servir.
E já havia denunciado o perigo.
Havia pedido o socorro.
A cidade, que vai sediar a Copa de Futebol e os Jogos Olímpicos, tinha outros problemas, e a voz do condutor se perdeu nos morros.
Agora o bondinho vai ganhar uma reforma, vai se modernizar.
Um novo condutor vai assumir.
Os motorneiros deveriam dirigir as cidades, os estados, o país.
Afinal, poucos como eles conduzem a população, e estão tão próximos do povo, fazendo a mesma viagem.

OS VIRA-LATAS TAMBÉM SONHAM

                                     

O pequeno cão dormia à sombra do ipê roxo.
Indiferente aos movimentos dos carros, talvez sonhasse.
Vira-lata de longa geração, a rua sempre foi sua casa.
Tímido, pedia licença para viver, então nem latia, sabia que nenhum território era seu, apenas compartilhava com o resto do mundo.
Carente, recebia cada olhar mais atento com um alegre abanar de rabo, agradecia feliz, solícito mesmo, qualquer atenção.
Bateu-lhe o frio, o vento e a chuva, que lhe colou os pelos gelados no corpo.
Veio-lhe então uma tosse feia, persistente, para maior repulsa das pessoas.
Parou um carro, se assustou, fez menção de fugir, lá vinham as rotineiras pedradas ou chutes, ou bater de pés, afinal o jardim central da avenida, e seus abrigos, era disputado nos fins de semana.
Mas a voz chamou, mesmo sem nome sabia que era por ele.
Tremia, mas estava disposto a qualquer risco por uma amizade, e embarcou.
A viagem na companhia de dois adultos e duas crianças, sob um medo sufocante mas cheia de esperança, e que lhe aquecia o corpo como nunca, terminou diante de um farto prato de ração.
Comeu como se disputasse a comida nas ruas.
As mãos percorreram seus pelos como nunca, de colo em colo ouviu os grunhidos humanos de ternura, reconhecia este tom, este zelo dos donos com seus bichos, agora era um destes bem- aventurados.
Tinha um lar, um pano quente e seco de chão, e um quintal todo seu para defender, agora latia de felicidade.
Um grande estouro, gritos, o sol quente já lhe queima uma das patas, a sombra do ipê já se movera, e as pessoas discutem em torno dos seus carros.
Uma colisão de veículos lhe roubou o sonho, acordara.
(Aos que como eu, após insistência da minha caçula, possuem e aprenderam a amar estes pequenos animais, grandes amigos — da nossa série, confessadamente pretensiosa, Licenças de Um Atrevido a Poeta do Cotidiano).

UM APRENDIZ

São intrínsecos a qualquer profissão os êxitos e os insucessos, que dimanam em alegrias e tristezas.
É da vida, não se possui o absoluto controle do resultado de qualquer trabalho, especialmente o jurídico onde o contencioso já impõe esta característica de incerteza como desfecho natural do embate de ideias, de postulados. Uma tese se somará à jurisprudência vitoriosa e outra à vencida.
Mas o profissional sabe que vitória já existe na realização deste nobre combate, na força transformadora deste dinâmico conflito que constitui a dialética jurídica.
A consistência e robustez de uma sentença justa são proporcionais a um contraditório com estas mesmas qualidades.
Mas é a vida acadêmica o foro liberal, franco e apaixonado, que mais reforça e transforma o universo jurídico. É a sementeira de ideias, a reserva filosófica do Direito.
E o magistério nos surgiu como uma atividade secundária, residual, e com menor compromisso.
Mas ocupou espaço principal na nossa satisfação profissional. Na realização plena do ideal acadêmico que nunca nos abandonou.
Tivemos nossa primeira experiência no ensino com o então chamado ginasial e colegial, hoje segundo grau, poucos anos depois de nossa formatura.
Cumpríamos, então, o dever de suprir o corpo docente da pequena escola do interior, na comunidade que agasalhava a nossa primeira oportunidade profissional, onde desempenhávamos função pública.  
A nossa vontade em colaborar era muito superior à nossa incipiente didática, e nos impôs um intenso retorno aos livros de geografia, estudos sociais, entre outros, já que era essa a demanda.
A oportunidade da pós-graduação, bom tempo depois, nos propiciou então o magistério nos cursos jurídicos, paralelamente ao exercício da advocacia.
Ocasião em que voltamos a aprender nessa instância onde se realiza o encontro da vocação, dos sonhos, dos ideais com o conhecimento, produzindo o mais legítimo e inspirado saber — a brisa acadêmica, o inconformismo nas salas, a vigorosa inquietude estudantil em face da dogmática, da tradição, a energia crítica que transcende o poder dos códigos e livros no aprendizado, especialmente do Direito.
Foi onde colhemos também a crescente e permanente satisfação, e confessa vaidade, de testemunhar o nascimento de promissores (as) mestres (as) — expressão de verdade, mesmo se conformando num velho e surrado clichê cujo uso não nos constrange, não a nós que vivemos em gratidão eterna pelos espíritos intransigentes e renovadores que nos ofereceram preciosas lições, justamente nas salas onde pretendíamos ensinar.
Com nossa passagem por uma universidade particular e outra pública (federal), entre o magistério de Direito Penal e o Direito Civil, passando pela Teoria Geral do Processo, reencontro, com indisfarçável orgulho, muitos desses alunos e alunas na Advocacia, no Ministério Público, na Magistratura, entre outras carreiras jurídicas, alguns no cimo profissional ou funcional.
E hoje ainda recebo gratas notícias de muitas dessas gentis jovens almas que se espalharam pelo mundo, com o sincero sentimento de quase paternidade, aliás, uma delas é, de fato, minha caçula que também já segue prodigiosos passos profissionais.
Um fraterno abraço nesses breves reencontros, um singelo recado aqui mesmo nesta preciosa ferramenta que é a internet, ou um breve aceno à distância com a troca de um sorriso amigo, fazem hoje uma das nossas grandes alegrias, uma comemoração que permanece em nosso espírito, no testemunho do sucesso de todas elas.

400 GRITOS

As prisões brasileiras guardam 400 bombeiros.
Que viviam de salvar vidas, de prestar o socorro.
De apagar o fogo.
E os incendiários do dinheiro público exibem suas pirotecnias ousadas, impunes.
400 presos, com renda, vil, exclusiva do próprio trabalho.
E a liberdade aviltante de peculadores, sem conta.
Estelionatários, corruptos, malversadores, subornadores e prevaricadores livres.
Que o aulicismo locupleta.
400 vidas, sobrevidas, da sofrida rotina temerária de salvar outras vidas.
Agora arriçadas e pejadas.
Ao mesmo tempo em que se concede alforria ao condenado e fugitivo estrangeiro.
Será mãe, tal pátria?
400 gritos e estamos surdos.
A indignação nos abandonou ou a indolência moral nos acomodou à iniquidade.

VANDA, E UM TÍTULO LONGO - O SONHO PREMONITÓRIO DA FELICIDADE.

Havia muita conversa em torno da mesa.
Também conversávamos.
Olhei por sobre o seu ombro, defronte de mim e vi.
Vinham na nossa direção.
Dois sóis, menino e menina.
Não havia música, só o ruído das conversas, de um bar café com cadeiras na calçada.
Poderia ter havido talvez um trompete lânguido, solo, em meio ao silêncio.
Mas havia a música da tua voz.
E um perfume de todas as flores, lisérgicas.
Levantei, peguei-a nos braços.
Despertei para outro sonho, agora a vida.
Com você sempre meu lado.
E me destes então aquelas estrelas.
E 28 anos de amor, sempre única, definitiva.
E eu nem deixei gorjeta antes de acordar para a felicidade...

Feliz aniversário de casamento, meu eterno amor.

O ÚLTIMO PEDIDO DE SÓCRATES

O último pedido de Sócrates, na iminência de ingerir o veneno que lhe fora imposto em veredicto, foi para que o seu leal amigo Críton pagasse o galo, sim o galináceo, que devia a Esculápio.
Não queria manchar o legado de sua honra se despedindo da vida como devedor, nem causar dano a ninguém.
Nem à crença e à Lei dos que o condenavam.
Recusou-se a fugir da sentença iníqua a que fora condenado porque acreditava que não se devolvia o mal, mesmo advindo de uma lei injusta.
Na verdade, julgava que despedir-se da vida era uma cura, já que a vida lhe impusera a consciência de tantas iniquidades, e por uma destas acabara condenado a morte, por afrontar o politeísmo. Então, despejou sua ironia à beira da morte, que era seu método peculiar de confrontar ideias, ao recomendar o sacrifício de um galo ao deus Esculápio.
Para Sócrates, o desejável era que o homem fosse virtuoso, honesto e justo por natureza e, enquanto não revelasse  estas virtudes, que as regras sociais fizessem despertá-las em si, de forma sábia, racional, serena e inequívoca - inteligência, razão e virtude guardariam uma sinonímia.
Reconhecia que justo é aquilo que além de se conformar às leis, à norma jurídica, exprime o sentimento ético de Justiça, fruto da consciência.
E o Direito não pode se afastar desta fórmula, sob pena de perder legitimidade, vigor e respeito.
Por isto se diz que o Direito é dinâmico, se transforma à medida que a cultura da sociedade exige, e busca conformar as normas de conduta aos seus valores.
O atavismo jurídico, a inércia legislativa que procrastina, retarda a atualização do ordenamento jurídico, num lento e reacionário processo a reboque das transformações sociais, é mais que um vício, é ofensa à ética, ao cidadão, às instituições sociais, ao Estado, à Lei e à própria Justiça.
Entre nós, as reformas do Código Civil e o de Processo se arrastaram por quase um quarto de século, e outras leis envelhecidas e superadas pela realidade aguardam a produção das casas legislativas.
Não se deseja uma reforma precipitada, que atropele o necessário debate e estudo profundo da matéria, especialmente no caso dos textos dos referidos códigos, centrais no ordenamento jurídico.
Mas o salto tecnológico que os tempos atuais impuseram à realidade social, com inovações que avultam instantaneamente a complexidade das relações jurídicas, não pode manter um processo legislativo plantado em uma tradição burocrática que atrasa em incorporar agilidade, efetividade e eficácia.
Veja o novo projeto de Código Florestal, em longa discussão e refém de ambientalistas que insistem em criminalizar o produtor rural, mas que, simultaneamente desejam um campo produzindo alimentos a baixo custo para suas mesas.
Muitos destes ativistas, que desconhecem a realidade do pequeno produtor, responsável majoritário na produção dos gêneros que alimentam o brasileiro, defendem uma política que a par de não ser eficiente na preservação dos recursos naturais, desestimula a atividade produtiva e onera gravemente quem já enfrenta uma precária estrutura e logística nacional que retiram a competitividade dos nossos produtos, mormente no mercado internacional.
A famigerada reserva legal é uma panaceia, que imposta às pequenas propriedades vai acabar por extingui-las — a um custo insuportável ao agricultor familiar, uma ideia equivocada que não contém qualquer eficácia como medida preservacionista, e sequer foi este o objetivo na sua criação. A propósito o nosso post datado de 17/10/2010, sob o título "PRODUZIR NÃO É ANTÍTESE DE PRESERVAR“, demonstra isto.

E, reafirmando o que ali expressamos, a preservação dos nossos recursos naturais é de vital importância, não apenas para o país mas para toda a humanidade, e só se dará com políticas e ações efetivas.
A Lei não pode estar a serviço de uma ideia estéril, de uma ideologia irresoluta, senão da Verdade e da Justiça.

Em tempo, Sócrates foi condenado por produzir filosofia, por não se curvar à crença, às ideias tradicionais, atávicas, de uma Grécia politeísta.

DIFERENTE DO QUE O PALHAÇO DISSE, PIOR QUE ESTÁ FICA.

Com algumas ditaduras caindo mundo afora, e outras sob pressão popular para abrir espaço para democracia, a liberdade abraça o planeta.
Que o absolutismo dos destronados não dê lugar a outros, ou a qualquer forma de governo que não se constitua na consulta direta e permanente ao povo, a democracia.
Aí sim poderemos comemorar.
O voto, a consulta popular, embora não seja a resposta para todos os problemas, é o único caminho para a emancipação dos povos, e garantia de dignidade humana e demais direitos individuais, próprios dos Estados onde soberanas são as Leis.
O voto, mais que um direito, uma responsabilidade na escolha dos legítimos representantes da cidadania, só se aperfeiçoa pelo exercício pleno, consciente e continuado.
Haja vista a qualidade e as ações de alguns dos nossos representantes no poder, temos um caminho longo no desenvolvimento desta prática.
E já que o STF invalidou a Lei chamada Ficha Limpa para as últimas eleições, e não temos garantia que ela se aplicará integralmente sequer para os próximos sufrágios, então o veto aos “fichas sujas” tem que vir das mãos, da consciência do cidadão.
E mesmo esta decisão judicial, colegiada, é emblemática da importância de cada voto na democracia, vez que o veredicto se deu com a maioria de um, num colégio eleitoral de 11.
E lembre-se, diferente do que o palhaço disse, pior que está, fica.


ESTRADAS BRASILEIRAS, UMA VIAGEM COM O PERIGO

Você que durante as suas férias, ou mesmo num feriado, pensou em pegar seu automóvel e sair com a família para um passeio, para uma viagem em família, rumo a alguns dos maravilhosos destinos turísticos deste nosso imenso país, certamente já se viu desencorajado em face das condições de nossas estradas.
IPI, ICMS, IPVA, Seguro Obrigatório, Licenciamento e taxas de pedágios, são os tributos que você paga como proprietário de um automóvel, e estas receitas não se mostram suficientes para o Estado te oferecer a mínima segurança nas estradas.
A farra fiscal em nosso país começa na tungada exorbitante nos bolsos do contribuinte e termina na má gestão e aplicação das receitas.
E os custos indiretos deste descaso são tão, ou mais onerosos quanto os que você recolhe como usuário do seu veículo.
Afinal, grande parte do transporte de bens e valores no nosso país ainda é feito por essas mesmas estradas, e mesmo pelos custos impostos (redundância implícita perfeita) ou por conta do potencial risco que oferecem, acabam elevando os preços dos produtos que você também consome.
E esta fome continuará, e só aumentará a nossa conta, vez que a insuficiência não é de recursos, mas de eficiência, que também rima com incompetência.

DECIFRA-ME OU DEVORO-TE, CIDADÃO.

O que justifica um país tropical, que teve há mais de 500 anos o seu descobrimento, e que se coloca entre as 20 maiores potências mundiais, produzir um reiterado sofrimento à nação com as previsíveis chuvas de estação?
Que a todo ano abrem buracos em nossas estradas e ruas,
Que inundam as cidades,
Que levam pontes,
Que soterram lares,
Que espalham prejuízo,
Que afogam pessoas,
Que desabrigam e roubam vidas?
E, que terminado o verão, nos impõe um repetitivo canteiro de obras,
De recuperação,
De reconstrução,
De uma interminável erosão,
E o dilúvio se repete e sempre aumenta, inclusive as tragédias, as taxas e os impostos.
E envelhecem as esperanças.
Existem nos céus muito mais do que as naturais e seculares nuvens, presentes desde a gênese do universo, para explicar esta tragédia recorrente.
Mais do que os modernos aviões de carreira.
Ou os generosos jatos de algumas ricas empreiteiras, caroneiras.
A resposta talvez sopre no vento, como já disse Dylan.
E os ventos são etéreos.
Como o pensamento.
Como o sofrimento.
Que não sobrevive até o novo tormento.
E cairá no esquecimento, e se fará desalento,
Justo no infeliz momento do advento das próximas eleições.

Em tempo: Verdadeira tragédia natural foi o que ocorreu com o Japão por estes dias, um terremoto surpreendente com as consequentes tsunamis, de enorme proporção, imprevisível como evento bissexto, mas que produziria muito mais danos humanos e materiais não fosse o prudente e responsável investimento do país em prevenção de sinistros.

UMA TRIBUNA PODEROSA

Dias destes recebi um e-mail com um link (com a licença do inevitável anglicismo) para um vídeo publicado no site (de novo) You Tube.
Uma narrativa simples, direta e indignada em que um consumidor tornava pública a sua revolta e frustração com a compra de uma geladeira, que apresentando um grave defeito, o obrigara a uma verdadeira odisseia na tentativa de sua reparação junto à fábrica, até então sem êxito.
A forma inusitada do protesto, inédita para mim, revela o poder de comunicação que a internet oferece, e no caso de utilidade inquestionável.
Creio que a instância judicial é o caminho mais efetivo nestes casos, via a que o referido cidadão já anuncia que pretende recorrer, mas o seu protesto público não deixa de ser legítimo, e em uma tribuna que pela repercussão e praticidade oferece uma nova utilidade a esta ferramenta que cada vez mais se torna indispensável em nossas vidas.
A rapidez e o alcance da web (anglicismo incontornável em assuntos de informática) são surpreendentes, em poucas horas o vídeo registrava centenas de milhares de visitas, que só aumentavam, inclusive com inúmeras manifestações de solidariedade.
Apesar de o país possuir uma legislação avançada na proteção ao consumidor, o desrespeito que muitas empresas despendem aos seus clientes, especialmente no pós-venda, parece longe de ter um fim. Muitos dos tais SACs (serviços de atendimento aos clientes), grande parte terceirizados, se constituem em verdadeiras arapucas protelatórias, um teste interminável para a paciência do pobre consumidor prejudicado. Um serviço criado para atender a clientela, e que hoje é reconhecido como fonte inesgotável de stress e insatisfação do consumidor, um verdadeiro terror.

Confira o vídeo:


PELA SOBERANIA, DA JUSTIÇA.

O Brasil vive às voltas com a impunidade.
A violência estereotipou nossa imagem internacional, sendo que o nosso mais conhecido "cartão postal" é protagonista de uma verdadeira guerra civil sem fim, com componentes trágicos que mesclam tráfico de drogas, assassinatos, confronto armado entre quadrilhas rivais, balas perdidas, corrupção e tantos subprodutos da violência que conseguem ofuscar uma das mais reconhecidas belezas naturais do planeta.
E em meio isto tudo, vimos a nossa maior corte de Justiça em permanente distensão com o executivo durante boa parte do ano, este empenhado, via Ministério da Justiça, na defesa da não-extradição de um criminoso condenado por uma Justiça livre e independente, de um país Democrático com quem mantemos relações étnicas e culturais históricas, chamado berço do Direito e das mais consagradas instituições jurídicas.
Qual a razão de Estado para tanta energia, tempo, e mobilização da República, envolvendo a maior corte de justiça do país, em torno de um criminoso que é condenado e procurado pela morte de quatro pessoas em seu país de origem, e que é considerado criminoso comum pela Corte Europeia de Direitos Humanos, e pelo Conselho Nacional de Refugiados, órgão nacional que cuida da legitimação de concessão de abrigo a reais refugiados políticos?
Será que o país não sofre o suficiente com a endêmica e crônica impunidade que mancha não apenas o nosso conceito internacional, mas o nosso solo com o sangue de tantos inocentes, temos que exportá-la e impor sua indignidade a outras nações?
Num país em que boa parte das pessoas não cultiva o hábito da leitura, da informação, e que apenas assistem ao julgamento dos fatos ao sabor das mais variadas versões dos que tem algum acesso à grande mídia, os incautos cidadãos as compram, e muitos se rendem a essas e as assumem como verdades definitivas, renunciando à reflexão e à análise criteriosa e objetiva. Alienação fundada muitas vezes na pura desinformação, na preguiça intelectual ou no cego reacionarismo político.
Cesare Battisti é um criminoso, um pluriassassino comum, julgou, e bem, uma Justiça independente, dentro de um Estado Democrático de Direito que, exibe em suas tradições a própria história da origem das mais celebradas e consagradas instituições jurídicas, e do próprio Direito.
Sonegar a sua punição é uma afronta a um país irmão com quem mantemos seculares laços étnicos e culturais, à Justiça, à memória das vítimas, aos seus familiares que afora a dor da ausência, fruto da brutal e injustificada violência sofrida, vivem em testemunho da impunidade e, mesmo, da absurda jactância e celebração dos seus algozes.
Ademais o processo de extradição e o seu consequente julgamento é essencialmente judicial, conforme norma de imperatividade absoluta e hierarquia superior a todo ordenamento jurídico:
Constituição da República Federativa do Brasil


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente (grifamos), a guarda da Constituição, cabendo-lhe:


l - processar e julgar, originariamente:
....................................................
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

A supremacia da Justiça e da Constituição são (para não redundar com a expressão constituem) o fundamento do Estado Democrático de Direito.
Senhor Presidente, nesse seu último ato de governo o Senhor poderia ter sido generoso e oferecido um exemplo ao mundo contra a impunidade, em favor de todas as vítimas da violência, e ter olhado para as mães de pranto eterno que tiveram seus filhos arrancados de si, pelos órfãos que ainda padecem com a ausência de seus pais, pelas viúvas que viram destruídas suas famílias, vítimas do crime, da barbárie, esta que desconhece fronteiras e nações, e deixa a amarga e permanente herança da mais intensa dor e indignidade nos corações de quem sobrevive a esta cruel e injusta imolação.
Senhor Presidente, esse empenho por questões individuais e humanas seria muito bem-vindo, de ilegitimidade incontestável, viesse em favor da mulher iraniana às portas da morte sob apedrejamento, condenada por um Estado arcaico, despótico e truculento, ou mesmo, a favor dos boxeadores cubanos que aqui pediram asilo, perseguidos por uma longeva ditadura que mantém presos políticos e muitos exilados pelo mundo.
Senhor Presidente, poderia na sua despedida ter reafirmado o compromisso do país contra a impunidade e com a soberania da Justiça e dos valores democráticos.
Foi uma melancólica despedida de governo.