Um blog pessoal para compartilhar ideias com amigos e familiares. Todos os posts de autoria exclusiva do autor, e eventuais citações de terceiros com nomes dos respectivos autores e/ou textos destes em destaque. PauloCCSaraceni

A MEIA-GRAVIDEZ DE ALGUNS PRETENSOS CASTOS DA POLÍTICA

A corrupção nunca parou, nem depois do comemorado julgamento do Mensalão.
Aliás, muitos dos protagonistas do escândalo continuaram operando a azeitada máquina de desvio de recursos, caixa dois, propinas ou qualquer definição que se possa dar aos diversos ilícitos praticados contra o erário público.
A delação da maior empreiteira do país mostra que a covardia, a desonestidade contra a Nação era sistêmica, de grande parte da casta política nacional, disseminada entre quase todos os partidos, em quase todas as esferas de administração pública e já tinha um histórico cultural e até tradição. Pois vinham de pai para filho, dentro do mesmo ramo familiar, nos grupos políticos fechados e fiéis nos conchavos das conquistas eleitorais.
Mas pior que o roubo, os enormes desvios das riquezas nacionais, é o iminente "acordão" que estaria sendo gestado nas vísceras da nossa putrefata política, onde um bando dos denunciados, ou delatados, já se mobilizaria para buscar preservar o próprio poder, o mandato, e garantirem a própria impunidade. Sem o constrangimento dos limites partidários e ideológicos (que na verdade nunca existiram em face da comum sede de vantagens).
Já se ensaia o discurso para se vender a “meia desonestidade”, para absolver a “culpa menor”, e justificar a “pequena imoralidade”. — Ora, caixa dois sim, mas sem corrupção! (sic) . — Apoio de campanha eleitoral paralelo claro, mas sem comprometimento imoral! (sic). — Verba eleitoral não oficial houve, mas jamais por vantagem pessoal! (sic).
A meia-gravidez de parte dos nossos pretensos castos políticos é tão infame quanto o discurso dos ladrões comuns surpreendidos com a mão no patrimônio alheio. Eu ouvia muito disso no meu caminho entre as celas do presídio regional, onde exercia a direção na condição de delegado regional, enquanto caminhava nas minhas correições periódicas. Com suas histórias todos apresentavam uma grande atenuante, uma justificante, e quase absolvente razão, e unanimemente denunciavam a injustiça da Justiça — a prisão imerecida. Aliás, a cadeia é apelidada pelo próprio público interno como Paraíso dos Inocentes, sardonicamente. O homicida "fortuito" com uma Magnum 357, com munição de carga reforçada e ponta oca/fendida, que jurava que matara em legítima defesa. O ladrão que apenas passava pelo local e "acompanhava o amigo” comparsa, efetivo autor do roubo. Havia o que roubava veículos de luxo, os atravessavam na fronteira internacional para venda,  "para alimentar os filhos inocentes e famintos" ou "tratar um doente terminal da família", altruistamente.  O traficante que não sabia que “aquilo” sob sua guarda era droga, e que transportava sob um miserável frete fixo, escondido em fundo falso ou camuflada em meio à carga lícita. Também, o articulado receptador do bens roubados que jamais desconfiava da premiada, incomum e generosa economia que fazia nas suas aquisições variadas, de jóias a veículos. E memorável foi o matador profissional, com longa ficha policial e vários mandados de prisão, diante de mim no seu interrogatório e reagindo à minha pergunta acerca do valor da paga do seu último assassinato, garantindo que jamais fora o  real autor das mortes de suas vítimas, já que pessoalmente não as desejara,  e que aos chumbos dos projéteis couberam as mortes na sua conta, onde fora mero executor ao iniciar o processo e deflagrar o gatilho para realização do serviço, por encomenda e desejo do mandante, este sim desafeto assumido dos mortos. Assim mesmo, com ares de surpresa indignada.
Francamente, que tenha sobrado falta de vergonha é natural, é da vocação de qualquer sujeito disposto ao desrespeito ético e legal, mas desta classe esperava-se mais inteligência e criatividade, pelo menos no discurso, nesta arte que sempre se desincumbiram com louvor em homenagem aos grandes sofistas da história.