Um blog pessoal para compartilhar ideias com amigos e familiares. Todos os posts de autoria exclusiva do autor, e eventuais citações de terceiros com nomes dos respectivos autores e/ou textos destes em destaque. PauloCCSaraceni

PANTANEIRO PAULISTA

O sol entrou abrindo os galhos com os cotovelos, escorreu suas luzes pelo tronco, galhos, manchou todas as folhas com seu brilho e abriu o dia;
O pantanal acordou com a água batendo ritmada nos barrancos, em pequenas ondas musicais, num chá-chá-chá narcótico;
Bebi desta manhã toda, andei-voei ao horizonte alado na brisa do mar doce, e fui-me na planície tropicando nos matos, nos arranhagatos, nos caminhos de pacas, pisando em caimans e sob o vento das asas das garças e de todo o ninhal despertado ;
Era um-aqui-um-ali piu de passarinho me achando e me chamando e logo estava enfiado no meio do chaco, sob telhas de folhas, macacos e cipós;
Fiz minha aventura diária que nunca é igual, abrindo os peitos das águas, dos corixos, das frutas caídas e dos pelos de bichos;
Cheiro bom de jenipapo podre, de bugio molhado, de água parada que afoga todo o pensamento e devolve vida cru;
Bom tabaco este queimar de cheiros confusos das mil ervas de mato;
Ópio da terra, do cio de plantas, dos peixes e de todo mato-em-tudo;
Gosto desta sem Lei, desta anarquia de cores e fumos, gostos e sopros, que orvalham no meu suor, na minha caminhada sem rumo;
Eu que vim do cimento e das pedras da pequena cidade, terna Guararapes, e que desfrutava de um rio quase morto, do Frutal malcheiroso apodrecido das mortes de vacas, matadouro, conhecia pouco das verdadeiras selvas;
Comprei minha bota, minha passagem na Noroeste do Brasil, NOB, dormi naqueles trilhos lentos que cruzaram estes novos campos,  ouvindo seus ferros musicais, e pus-me agarrado ao machete da aventura — atravessei a ponte do Rio Paraná;
Entrei por Três Lagoas, passei por Ribas, atravessei Campo Grande e desembarquei em Aquidauana, descobri Bonito do Campo dos Índios, Nhecolândia , onde fui batizado no Tereré e mastiguei minhas primeiras guaviras;
E eis me aqui, eis me ali, no cimo daquele morro seco da vazante, no prado aguado das taboas, nas botas pesadas do rio pescado.
Horizonte de baías, de água espalhada nos campos, das raízes ensopadas das bocaiuvas, dos ipês floridos, dos ninhos dos jaburus, das corridas musicais das seriemas;
Nunca vou te deixar,
Nunca te vou despertar nos meus sonhos.



* Meu especial agradecimento a Manoel de Barros, saudoso passarinho mais cantador destes lindos brejos, com quem aprendi esta língua das águas, de folhas caídas, de bico de maritaca, de rastro de barriga de cobra-sapo...assim me meti no verbo deste pântano de sonhos.

CONFINADA ETERNAMENTE NA SAUDADE

Uma menina foi morta esta semana em Campo Grande, uma menina que escolheu abraçar as artes para sobreviver, professora de Música, tinha mestrado na Universidade Federal.
Foi abatida cruelmente, covardemente, o corpo estava parcialmente nu e queimado, abandonado na beira de uma estrada, e foi encontrado enquanto ainda era consumido pelas chamas.
Os indícios preliminares levantados pela Polícia é de que foi morta com pancadas na cabeça, mas o laudo pericial vai detalhar e apontar, inclusive, a possibilidade de violência sexual concorrente.
Já existem suspeitos detidos. Sim, teriam sido vários os autores.
O motivo, um roubo, queriam a sua riqueza que conquistara na luta diária de sobrevivência.
Ela vivia em um pensionato, um domicílio coletivo de baixo custo, e o inventário inicial da polícia aponta que tinha uma bicicleta, um violão, um pequeno cão e o seu veículo, ano 1992, pequeno e modesto, comprado a prestação e que foi roubado na ocasião de sua morte.
Ela teria a idade da minha caçula, talvez pouco menos, mas vi o seu sorriso nas fotos, parecia muito com o da minha filha.
O mundo perdeu uma Musicista, uma artista, mas ganhou um (ns) assassino (s), que vai (vão) fazer uma estadia na prisão.
Sim, será uma estadia provisória, a nossa legislação penal é muito frouxa, e a nossa Lei de Execuções Penais transformou a prisão em abrigo temporário, e com a progressão de penas fazendo da punição um escárnio, e incentivando o crime. Quase ninguém fica recluso, na verdade.
E parte das nossas prisões tem donos, e não é o Estado ou a Administração Pública, é o crime organizado que domina os códigos internos, que impõem as regras e vantagens à população carcerária, que só reconhece esta autoridade. Quanto mais criminoso e perigoso, maior é o prestígio do chefe dentro do sistema. Geralmente os de pena mais longas, fregueses contumazes, reconhecidos e temidos por todos.
Ora, você nunca recebeu um telefonema deles? Te extorquindo pelo falso sequestro de um familiar? Ou tentando outro golpe para tomar o teu suado dinheiro, geralmente com um coautor livre que executa o crime?
Não os maltrate ao telefone, eles podem se zangar, e na saidinha dos dias dos pais, ou de Natal, podem tentar uma vingança, ou mandarão que façam por eles.
Então, o (os) assassino (s) desta jovem e linda menina vai (ão) engrossar estas fileiras, esta escola, e não sairá (rão) melhor (es), mas certamente em breve.
A Educação é sempre o mantra nos discursos de quem não reconhece no endurecimento da legislação penal o eficiente combate à violência.
Mas eu digo, com minha modesta, mas rica experiência na segurança pública, a Educação previne o criminoso, mas não o crime.
Na verdade, boa (de significativa) parte dos que votam as leis, trabalham contra o seu rigor, a sua força, eficiência e dura sanção, e sabemos por quê.

Eu queria ver o sorriso e a música desta menina livres pelo mundo, desfilando pela minha cidade, estamos precisando muito disto, mas será confinada a apenas uma lembrança, uma saudade. 
Meus sinceros sentimentos à sua família e amigos. 

CRISE ? NÃO, É O PARTO DE UMA VERDADEIRA REPÚBLICA

Emerge mais uma delação, com novas denúncias e revelações, e instruídas com fotos e gravações em áudio, e que colocam o chefe máximo do governo no centro das acusações. Além do Senador e presidente de partido, e um dos seus principais apoiadores, e virtual candidato, inclusive, à sua sucessão.
E os analistas se debruçam sobre os indicadores econômicos, sobre o revés nas reformas, sobre a instabilidade política e volatilidade dos mercados. 
Mas o que está ocorrendo é a necessária reforma do Estado, ou melhor, a reconstrução da República com os legítimos alicerces dos valores éticos e democráticos. 
 A Lei reivindica o seu império, e revigora as instituições de Estado com o conluio da Nação já cansada de tanto ultraje. 
Crise? Não, é o advento de um novo país, comprometido com os reais valores republicanos, com o respeito intransigente à Lei. 
" — Ora, direis, ver esperança ! — Então perdestes o senso ! Mas eu vos direi, no entanto, que os que sonham comemoram" (plagiando o poeta Olavo Bilac). 
Nem esquerda, nem direita, este governo acabou, e boa parte da dita oposição também, aliás especialmente os que tiveram origem na mesma chapa eleitoral, e que perdendo o centro do poder, pelo impeachment, vinham denunciando-o por “golpista”. 
Os argumentos de que a Lava Jato tinha um viés político-ideológico, ou que fosse seletiva, não resistem mais. 
E que a punição seja implacável, indiscriminada e guardando plena equidade, como convém à absoluta Justiça. 
Mas no final caberá ao povo, ao cidadão eleitor, a ação mais eficaz para a efetiva assepsia dos quadros políticos, não renovando os mandatos de quem os exerceu ilegitimamente, e expurgando da vida pública os indignos. À Nação compete impor novos costumes políticos e democráticos, mais consonantes com a necessária ética republicana.

A MEIA-GRAVIDEZ DE ALGUNS PRETENSOS CASTOS DA POLÍTICA

A corrupção nunca parou, nem depois do comemorado julgamento do Mensalão.
Aliás, muitos dos protagonistas do escândalo continuaram operando a azeitada máquina de desvio de recursos, caixa dois, propinas ou qualquer definição que se possa dar aos diversos ilícitos praticados contra o erário público.
A delação da maior empreiteira do país mostra que a covardia, a desonestidade contra a Nação era sistêmica, de grande parte da casta política nacional, disseminada entre quase todos os partidos, em quase todas as esferas de administração pública e já tinha um histórico cultural e até tradição. Pois vinham de pai para filho, dentro do mesmo ramo familiar, nos grupos políticos fechados e fiéis nos conchavos das conquistas eleitorais.
Mas pior que o roubo, os enormes desvios das riquezas nacionais, é o iminente "acordão" que estaria sendo gestado nas vísceras da nossa putrefata política, onde um bando dos denunciados, ou delatados, já se mobilizaria para buscar preservar o próprio poder, o mandato, e garantirem a própria impunidade. Sem o constrangimento dos limites partidários e ideológicos (que na verdade nunca existiram em face da comum sede de vantagens).
Já se ensaia o discurso para se vender a “meia desonestidade”, para absolver a “culpa menor”, e justificar a “pequena imoralidade”. — Ora, caixa dois sim, mas sem corrupção! (sic) . — Apoio de campanha eleitoral paralelo claro, mas sem comprometimento imoral! (sic). — Verba eleitoral não oficial houve, mas jamais por vantagem pessoal! (sic).
A meia-gravidez de parte dos nossos pretensos castos políticos é tão infame quanto o discurso dos ladrões comuns surpreendidos com a mão no patrimônio alheio. Eu ouvia muito disso no meu caminho entre as celas do presídio regional, onde exercia a direção na condição de delegado regional, enquanto caminhava nas minhas correições periódicas. Com suas histórias todos apresentavam uma grande atenuante, uma justificante, e quase absolvente razão, e unanimemente denunciavam a injustiça da Justiça — a prisão imerecida. Aliás, a cadeia é apelidada pelo próprio público interno como Paraíso dos Inocentes, sardonicamente. O homicida "fortuito" com uma Magnum 357, com munição de carga reforçada e ponta oca/fendida, que jurava que matara em legítima defesa. O ladrão que apenas passava pelo local e "acompanhava o amigo” comparsa, efetivo autor do roubo. Havia o que roubava veículos de luxo, os atravessavam na fronteira internacional para venda,  "para alimentar os filhos inocentes e famintos" ou "tratar um doente terminal da família", altruistamente.  O traficante que não sabia que “aquilo” sob sua guarda era droga, e que transportava sob um miserável frete fixo, escondido em fundo falso ou camuflada em meio à carga lícita. Também, o articulado receptador do bens roubados que jamais desconfiava da premiada, incomum e generosa economia que fazia nas suas aquisições variadas, de jóias a veículos. E memorável foi o matador profissional, com longa ficha policial e vários mandados de prisão, diante de mim no seu interrogatório e reagindo à minha pergunta acerca do valor da paga do seu último assassinato, garantindo que jamais fora o  real autor das mortes de suas vítimas, já que pessoalmente não as desejara,  e que aos chumbos dos projéteis couberam as mortes na sua conta, onde fora mero executor ao iniciar o processo e deflagrar o gatilho para realização do serviço, por encomenda e desejo do mandante, este sim desafeto assumido dos mortos. Assim mesmo, com ares de surpresa indignada.
Francamente, que tenha sobrado falta de vergonha é natural, é da vocação de qualquer sujeito disposto ao desrespeito ético e legal, mas desta classe esperava-se mais inteligência e criatividade, pelo menos no discurso, nesta arte que sempre se desincumbiram com louvor em homenagem aos grandes sofistas da história.   

MOROFOBIA, UM SENTIMENTO COMUM DOS CORRUPTOS

Um sentimento lisonjeiro é despertado no magistrado que vê a escória infratora, os delinquentes tentarem fugir do seu veredicto. É quase um termômetro da eficácia de sua Jurisdição, um reconhecimento cabal e imparcial da sua correção na prática de Justiça. 
O Juiz Moro descansa sempre sob a serenidade e conforto absoluto da própria consciência,  ao assistir tantas manobras e chicanas jurídicas deste bando,  figuras notórias pela impunidade, na fuga desesperada de sua pena.
O Brasil que trabalha, honesto, que produz e sonha com uma República de todos, e aqui semeia sua vida e filhos, está contagiado pela MOROGRATIDÃO.