A majestade e a autoridade do poder,
ao longo da história, entre ditaduras e monarquias, dependeram sempre muito do
rico mobiliário, do luxo intimidador dos seus amplos e lautos salões, e nos
dias atuais se materializam no ar refrigerado de última geração, nos cristais
importados entregues à tarefa diária de servir água, nas mordomias e nos dispendiosos
rapapés que as cercam.
Estão legitimadas no cafezinho
farto e gratuito, abundante a cada hora do dia, por garçons exclusivos e
fardados, pelos tapetes grossos, pelos lustres dos gabinetes sempre
perdulariamente iluminados, o poder continua intrinsecamente ligado à magnificência
de suas instalações, mais do que em qualquer outro fundamento republicano.
Antigamente se temia a crueldade dos monarcas, comentava-se da
adulterinidade dos reis, da sua falibilidade conjugal, e mesmo da masculinidade de alguns, e os castelos e seus aposentos recepcionavam intermináveis orgias, mas
a sala do trono era indevassável, sagrada e inatingível para a maioria dos
súditos.
Às sedes do poder de algumas ditas Repúblicas contemporâneas, lançam-se todos os dias dúvidas sobre as negociações havidas nas suas entranhas, especula-se sobre a lisura das alianças ali gestadas, da moralidade dos seus quadros, publicam-se, em todas as mídias e em
todos os dias, suspeitas, indícios, denúncias, reverberam-se boatos e
confirma-se certos abusos, mas nada ofende mais do quando se invade o seu
espaço — tal poder é cioso do seu foro, que vem do latim fórum, local.
Nenhuma pecha, acusação, nem
mesmo as anedotas usuais que se lancem contra os seus ocupantes, e que virou
esporte nacional da cidadania ultrajada, afligem tanto os seus ocupantes quanto
quando se lhes ameaçam o indevassável, luxuoso e tumular território, os seus
sacrossantos e lautos espaços. Ali repousa a autoridade que se concedem, como
uma bela roupa cara, limpa e cheirosa, que lhes emprestam a dignidade e a pompa.
Que não ousem, portanto,
devassar-lhes os armários, vasculharem suas gavetas, suprimir-lhes as maletas,
mesmo em nome da Justiça, mesmo em nome da República, pois o foro é da
Autoridade, mais do que público.
Trata-se não de foro
privilegiado, mas privilégio de foro.
Tristes Repúblicas.