Um homem amadurece quando o silêncio passa a ser boa companhia. Numa voluntária e resolvida solidão em que se acomoda com seus melhores parceiros, os mais fiéis, solidários, leais e confortantes. Vinícius tinha nos caninos engarrafados, com pedigree escocês, seus maiores confidentes, mas dizem que não se furtava em adotar os vira-latas, e com a vantagem que sempre eram mais disponíveis.
Eu mesmo, meus vinhos, meus livros, músicas e meu charuto eventual — que depois de uma luta súbita, traumática e inesperada pela minha saúde foram quase abolidos, mas tolerados com absoluta parcimônia — encontramos nosso intrínseco cabaré, íntimo botequim, num escaninho quase negligenciado do meu apartamento, a minha sacada no 16° andar, a pelo menos 70 metros do chão (sim, numa destas noites dulcificantes e livres eu deduzi esta medida), mas, alternativamente num mal-ajambrado escritório, de uma caótica biblioteca onde deposito meu sebo eclético, meus velhos livros, discos, violão, fotos, e as mídias modernas adredementes instaladas. Ah, e os acumulados de uma vida, a um desejo de distância.
Mas é defronte ao horizonte da cidade que tenho o melhor refúgio e, como todo bom cabaré, após o anoitecer, já que me convenci que a paz é notívaga como eu, onde sempre delibero pela penumbra total, com as luzes desta paisagem cumprindo os mesmos efeitos dos bares e boates mal iluminados, incensando com brilhos e cores hipnóticas as minhas deliciosas e ociosas abstrações. As cadeiras são as melhores, informais, acostumadas com o tempo e generosas no conforto e despreocupadas com a estética.
É quase impossível pensar, com um bom vinho e boa música o meu espírito quer só as sensações, nestas estão as lembranças, as saudades, os sonhos bem vividos e os não resolvidos. Acho que porque a sensação é uma virtude inata e o pensamento é um exercício adquirido, e é isto que os gurus pregam na meditação — o pensamento furta a paz.
A noite avança e só me retiro tarde, com os ruídos quase nulos das ruas abandonadas. Uma ducha relaxante sacramenta a paz ronceira e preambular de uma tentativa de sono.
Esta é uma rotina fascinante, demorei mais de 60 anos para perceber que esta é a minha maior aventura, descansar nos meus próprios braços e sonhos.