A velha poltrona de couro sob o pó de muito tempo, escurecida,
enredada por fios de aranha, com rugas em talhos quebradiços de pele morta num
desenho que denunciava o peso da anatomia do corpo, que há muito ali não se
acomodava, fazia sentinela.
Livros enfileirados, os títulos quase invisíveis sob o talco
sujo do tempo, aguardavam em formação uma mão salvadora — jaziam solenes em
velhas prateleiras e estantes. Dormiam histórias no escuro abandono da
biblioteca depositada, adormecida, abandonada.
Havia ali muita jurisprudência, STF, TACRIMSP, TACIVSP, TJs,
RTs, Pontes de Miranda, Hungria, Noronha, Baleeiro, Carnelutti, Kelsen,
Liebman, Washington de Barros Monteiro, Silvio Rodrigues, Ada Pelegrini Grinover, Fernando da Costa Tourinho Filho, manuais de direito, monografias, legislações, códigos, e também John
Locke, Marx, Housseau, Hobbes, Descartes, Platão, Maquiavel, e tantos do clube sociológico-filosófico-jurídico.
Mas além desta literatura quase exclusivamente profissional
— e só as bibliotecas oferecem esta convivência improvável — havia ali também Kafka, Hesse, Dickens,
Orwell, Hemingway, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Neruda, Jorge Luis Borges, Dickens,
Machado de Assis, Victor Hugo, Veríssimo (pai e filho), Joyce, Eco, Dostoievski, Márquez, Flaubert,
Capote, Monteiro Lobato, Cervantes, Saint-Exupéry e tantos outros destes universais pintores
de palavras.
Companheiros que embarcaram na carroceria de um caminhão
rumo ao sebo, e levaram consigo muitas anotações perdidas, rabiscos de poemas, recortes,
marcadores, algumas fotos antigas — não havia como resgatar tanto de tantos
anos — e deixaram o grande vazio de um cômodo empobrecido. Despedida forçada, a
mudança da casa para o apartamento, mesmo amplo, impunha o enxugamento de
espaços.
E mesmo porque uma tela digital de 21 polegadas já
substituía tudo há um bom tempo. O folhear canoro das páginas havia dado lugar
ao toque no teclado, e um breve movimento no mouse já fazia o milagre da leitura, que ainda copia, grifa e anota.
Mas não consegui me separar dos meus “long players”, LPs,
ficaram comigo todas aquelas bolachas memoráveis de vinil que mesmo convertidas
em arquivos digitais, ou readquiridas em CDs
ou DVds, são inigualáveis no resgate
da minha memória musical.
Muitas daquelas velhas brochuras se vestiram em novas e belas edições, eu talvez
não resista e passe a readquiri-las, quem sabe numa das visitas aos
prazerosos espaços dessas livrarias modernas, que oferecem o sofá, uma boa luz,
um ótimo espresso e toda leitura.
Tenho saudades.