Folheei as telas sem molduras, do mostruário sobre cavaletes, e achei o inevitável passeio de gôndola nas águas verdes di Canalasso, que foi devidamente enrolada em grossa cartolina, para suportar a pressão da bagagem, na viagem de volta.
Paguei, com os euros cuidadosamente retirados da minha carteira, guardada em uma pequena mochila, a que chamo de porta conveniências — para máquina fotográfica, filmadora, mapas, etc. — indispensáveis nestes nossos circuitos turísticos longe dos hotéis, e que também acomodou a pintura.
Cruzamos, Vanda e eu, a babel da vasta San Marco, entre turistas japoneses, talvez chineses, alemães, espanhóis e tantos de idiomas irreconhecíveis, esgueirando-nos dos enquadramentos das fotos dos álbuns de família dos deslumbrados viajantes.Íamos à procura de um gelato, que saboreamos na pequena ruela entre romanescas passarelas, que ligam a cidade sobre os infindáveis canais.
Hora de pagar, abri a pequena mochila e não estava ali minha carteira, com meus cartões, alguns euros e, principalmente, os nossos passaportes, que havia sido retirada para pagar e também para guardar a tela, e que foi esquecida sobre a mesa improvisada do vecchio pittore.
Refiz o caminho quase correndo, atormentado pela ideia da odisseia burocrática que me aguardava, já me vendo às portas do majestoso prédio da nossa embaixada, na estesiante Piazza Navona, em Roma, uma paisagem sempre desejável, mas não sob esta circunstância.
Sem passaportes e cartões, uma estada maior em Veneza seria a primeira consequência.O autor das telas, que hoje ocupam a modesta galeria da nossa sala, aguardava, talvez tanto aflito como eu e já com a carteira à mão, ansioso pela devolução.
Ficamos amigos, Signore Rossi e eu, e já que o artista se ofendeu quando propus uma recompensa, que a nossa cultura quase impõe, comprei então a segunda tela, após insistir que eu não dissimulava retribuição, reafirmando que seus traços e cores efetivamente me impressionaram.
Dali passamos por Paris, depois Londres, de encantos reconhecidos e sedutores, da história à cultura, passando pela gastronomia, mas incomparáveis com a beleza e a magia da abducente Veneza, onde sucumbi à parapraxia freudiana.
Venezia, arrivederci. Ma tornerò presto.